segunda-feira, 26 de maio de 2008

Introdução

Tendo como preocupação constante em nossos trabalhos o processo de recriação dos signos urbanos, a urbi não apenas como tema, mas como maneira de pensar a nossa produção artística, foi que realizamos a maioria de nossos trabalhos, tanto a nível individual (desenhos e pinturas) como coletivo (intervenções, instalações e ambientes).
Com o encerramento dos trabalhos como GRUPO MANGA ROSA no final de 1982, que tentava acima de tudo realizar um confronto direto entre os signos urbanos e a recriação feita pelo grupo, começamos um trabalho de discussão de como aprofundar a questão de modo de ver/sentir a realidade visual a partir de nossas experiências de vida eminentemente urbana, ou seja, uma produção que levasse em consideração não só um modo de vida no sentido de trabalhar, se vestir, se locomover, mas acima de tudo um modo de sentir a vida. A partir daí realizar um trabalho que contivesse um alto teor de urbanidade inerente à sua criação independentemente de se falar em cidade ou de se executar esse trabalho no espaço urbano, ou seja, a questão não é de invadir o espaço urbano tentando intervir na sua paisagem (o que não se consegue na maioria das vezes) mas sim de reproduzir a maneira de se relacionar com a cidade sensitivamente/eroticamente/ludicamente, seja no espaço aberto ou num espaço fechado numa relação mais direta entre o observador/obra, dispensando a caótica relação das “intervenções”. Deixando claro que uma ciosa não anula a outra e que não descartaremos tão cedo as possibilidades de se trabalhar diretamente no campo de trabalho – a cidade e seus mais diversos espaços livres.
Dentro desse processo de nos aprofundarmos cada vez mais na sensibilidade puramente urbana é que nos deparamos com a poesia concreta e sua maneira visceralmente urbana de sentir/raciocinar/criar, e nas infinitas possibilidades que ela nos fornece de se trabalhar plasticamente.
A partir daí tentamos um casamento de nossas propostas com toda a bagagem que a poesia concreta trás com suas experiências a partir da década de 50, com a percepção e sensibilidade urbanas. Para isso nos prendemos principalmente em seus aspectos visuais, ou de como é incorporado na poesia (uma coisa para ser lida) o aspecto gráfico (para ser visto), radicalizando-o no sentido de extrair completamente o elemento verbal-escrito engajado na poesia que lhe deu origem.
O primeiro trabalho concretizado nesse estudo de traduzir poemas concretos para trabalhos visuais/sensitivos, o qual chamamos de “TRANSCODIFICAÇÕES”, foi a instalação “A ROSA DOENTE”. Foi feita uma instalação de 140 m² no campus da Universidade de São Paulo, promovida pelo Museu de Arte Contemporânea, a partir de um poema de W. Blake traduzido por Augusto de Campos, em forma de espiral. A instalação constava de 132 tubos de PVC (o mesmo número de letras do poema) de 6 polegadas em diversas alturas e cores, alinhados na forma de espiral para que o observador fizesse o percurso da poesia.
A “transcodificação” era uma relação direta entre letras e cores tentando manter o mesmo clima do poema a partir das cores e do percurso. Mantemos na transcodificação elementos do código verbal como: diferenciação de fonemas, sílabas tônicas, acentuação, pontuação, etc., com resoluções plásticas. Para concretizar “A ROSA DOENTE” levou-se 18 meses, tempo que nos dedicamos a aprofundar nossos estudos de “trancodificações” de poemas concretos. Nos estudos que fizemos fomos nos aprofundando em poemas mais sintéticos e essenciais com “trancodificações” mais semânticas e conceituais.
Outra obra foi criada a partir do poema “CONCRETUS” de Pedro Xisto (pernambucano, 83 anos e autor de inúmeros livros de poesia experimental). “Se concreto vem de concretus = cum+cretum, concrescere, crescer com, crescer juntamente com algo além de si, crescer em composição, unir-se crescendo, condendar-se, a poesia concreta bem pode merecer ou vir a merecer tal chamamento.” (XISTO)
Foi feito um projeto de uma instalação, uma releitura plástica do poema, uma leitura formal e sintética seguindo a forma da diagramação do poema. Assim sendo, a instalação funciona como suporte/obra da transcodificação feita para uma nova leitura do poema – Leitura Espacial. A instalação consistiu em tubos de PVC – 160 m², alinhados em forma triangular pintados de preto, instalados diretamente no solo/gramado.

JORGE BASSANI
CHICO ZORZETE

Transcriar

Mostra de traduções criativas, organizada por Julio Plaza, em Setembro de 1985.
Centro Cultural São Paulo - MAC - USP






sexta-feira, 16 de maio de 2008

Concretus

A escultura CONCRETUS, transcodificação do poema de Pedro Xisto, está inserida em uma pesquisa mais ampla realizada de 1983 a 1987. Entre estes anos realizamos um estudo aplicando diversos métodos de traduções de poemas para obras visuais espaciais.
Estas traduções propunham a leitura do poema através da vivência corporal com objetos escultóricos, instalações, ambientes e os respectivos códigos visuais. Portanto, o trabalho consistiu em traduzir poesias no código verbal para obras visuais e corporais.
Os critérios para a seleção das poesias para tal desenvolvimento foram estipulados seguindo uma orientação de analogias de linguagens. Tanto pelo grau de pesquisa de linguagem proposta pelo poema quanto pelas afinidades lingüística entre nosso trabalho e desses poetas.
Desta forma, trabalhamos com poesias produzidas entre os anos 50 e 60 pelo grupo inicial da poesia Concreta, exatamente por seu caráter experimental e inter-códigos, em especial suas relações com as artes gráficas e plásticas.

CONCRETUS - Galeria de Arte da Unicamp (instalação temporária - Outubro/1985)
CONCRETUS - Campus da USP (instalação permanente - Novembro/1987)




Construções

Exposição realizada no Paço das Artes, em Outubro de 1986.


Transcodificação: a ação de transcriar

O percurso dos “instaladores” Chico Zorzete e Jorge Bassani é dos mais contemporâneos da arte atual. Primeiro, recriaram os signos urbanos, tendo a urbe, não apenas como temática, mas como idéia-objeto, que terminavam por se constituir numa meditação sobre suas própias produções simbólicas, fossem essas de caráter individual (desenho, pintura), fossem de caráter coletivo (instalações,intervenções, ambientações).
Faziam parte do GRUPO MANGA ROSA, produzindo “cartazes-de-rua”, que interferiam e feriam a paisagem urbana com suas interrogações. Depois, aprofundaram a discussão modo de ver/sentir,quando descobriram outras conotações do espaço urbano inclusive e principalmente a arte ao ar livre, como fenômeno de libertação interior, como jogo de amar/amar. Neste processo, os dois arquitetos/instaladores descobriram o Poema Concreto, através de sua forma visceral de sentir o urbano, baseando-se na estrutura do concretismo: poema para ser lido e visto (desenho gráfico-espacial), tornando-o um objeto para ser visto/sentido pelos olhos, transcodificando-o de uma linguagem verbal para uma linguagem plástico-visual, sem cair na ilustração. Essa mostra no Paço das Artes resulta da experimentação dessa transcrição de escrituras e linguagens: os poemas se tornam instalações, o bidimensional transmuda-se em tridimensional, o espaço da página, onde outrora dormitava o poema torna-se espaço total, numa revisão e releitura do poema original.
Ao mesmo tempo, o eixo original do poema torna-se mecanismo do novo delírio plástico-visual, nesse novo jogo de linguagens. O poema, inscrito no poeta, escrito na página torna-se transcrito no espaço da instalação, materializa-se, como personagem de outro cenário dramático, mas principalmente transubsacializa-se em outros significados a partir do mesmo significante. A imagem permanece o conteúdo transfigura-se.

(Alberto Beuttenmuller - São Paulo, 25 de agosto de 1986)



(O Estado de S. Paulo - Outubro/1986)

A Rosa Doente

MAC (Museu de Arte Contemporânea) e USP (Universidade de São Paulo) - Novembro/1984








(Folha de S. Paulo - Novembro/1984)